Marina Lima vai ao Lollapalooza com desejo pelo pop: 'Quero ser atraente - se puder, irresistível'
25/03/2025
(Foto: Reprodução) Em entrevista ao g1, cantora reflete sobre sua visão do pop, fala sobre afastamento dos palcos nos anos 90 e sobre envelhecer com curiosidade: 'Você tem que estar no tempo em que vive'. Marina Lima explica como 'pop sáfico' reflete em sua carreira
Marina Lima já não sai à noite sozinha tanto quanto antes. “É mais perigoso, não quero correr riscos”, ela explica entre risos, em entrevista ao g1.
O receio não tem nada a ver com medo da vida, muito pelo contrário. “Preciso medir bem porque estou achando que eu preciso durar mais tempo, entende? Quero ficar atenta aos sinais.”
Aos 69 anos, a cantora carioca está em plena atividade: concilia duas turnês (“Rota 69” e “Uma noite com Marina”), viaja pelo circuito de festivais e se prepara para cantar pela primeira vez no Lollapalooza, festival no Autódromo de Interlagos, em São Paulo.
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Conversando com Marina, a sensação é de que, conforme ela envelhece, o mundo vai ganhando cada vez mais charme. “Eu gosto muito ainda de aprender. Várias coisas: sobre as sociedades, sobre a política, sobre o que mulheres que me interessam têm a dizer, principalmente as mais velhas.”
“Você tem que estar bem na sua idade, no tempo em que você vive, e não ficar correndo atrás de um fantasma antigo, que você não é mais, não só fisicamente.”
A cantora Marina Lima
Candé Lima / Divulgação
Antenada, ela faz questão de reservar um tempo para ouvir o que anda em alta na música pop, e inclui em seu show covers de nomes como Beyoncé e Billie Eilish. Algumas dessas releituras podem aparecer na apresentação do Lolla, assim como participações surpresa -- Pabllo Vittar já foi anunciada. “Essas coisas também são importantes para entender o mundo e ver por onde eu vou querer andar.”
No percurso, Marina carrega o desejo de honrar sua própria visão do que é ser pop. “A ambição que eu tenho é me tornar atraente - e, se puder, irresistível -- com uma canção. Gosto de criar um mundo sonoro ao qual as pessoas não resistam, para mim isso é pop.”
Na entrevista abaixo, a cantora reflete sobre seu som -- brasileiríssimo e, ao mesmo tempo, universal -- e as razões que levaram a um problema na voz e ao afastamento dos palcos nos anos 1990. Também fala sobre envelhecer com curiosidade e, cinco meses após a morte do irmão, o escritor Antonio Cicero, sobre a importância dele em sua carreira.
g1 - Você nunca teve medo de se definir como uma artista pop e sempre rejeitou a carga pejorativa que algumas pessoas atribuem a esse termo. Para você, o que é um som pop?
Marina Lima - Hoje esses aplicativos, como o Spotify, eles mesmos fazem a classificação de qual é o gênero da música. Antigamente, você mesmo tinha que fazer isso. Dito isso, para mim, a música pop é, ao contrário do que muita gente pensa, a que se enquadra em qualquer gênero. É como a Beyoncé: ela fez um disco todo cowboy, numa área dominada pelos brancos americanos típicos. E invadiu a rádio, porque fez algo que não é regional, é dela também. Ela é pop e invadiu o country.
"A ambição que eu tenho em ser pop é me tornar atraente - e, se puder, irresistível -- com uma canção."
Eu sou primordialmente uma compositora. O que eu mais gosto é de compor, tanto que, volta e meia, eu gravo músicas que eu queria ter feito. Gosto de criar um mundo sonoro ao qual as pessoas não resistam, para mim isso é pop. Eu e o meu irmão escrevemos o manifesto do disco “Fullgás”, que dizia assim: às vezes, o novo vem de onde menos se espera, o vulgar pode vir do mais sutil. Em qualquer lugar tem talento.
Antonio Cícero e Marina Lima
Reprodução/Instagram/@marinalimax
g1 - Você é muito antenada no que rola de atual no pop. Vi um show da turnê “Uma Noite com Marina” em que você cantou “Bodyguard”, da Beyoncé. Como você se atualiza sobre música?
Marina Lima - Eu reservo um tempo para ouvir. Primeiro, porque eu amo música, é o motivo pelo qual eu faço isso. Quando eu morava fora, no exterior [Marina passou parte da infância nos Estados Unidos], sentia falta do Brasil desde pequenininha, naquele frio. O que me aqueceu foi a música, então tenho essa ligação. Não ouço música o tempo todo, mas, na hora da profundidade, em que eu preciso conversar comigo mesma: música.
E eu gosto mesmo de descobrir. Não é fácil descobrir coisas de que eu gosto, sou meio seletiva. Entendo qual é a onda, e aí tem uma ou duas canções de que eu gosto da onda. Mas eu fico procurando coisas que talvez não sejam ondas, mas que vão começar um novo mar, sabe? Às vezes, eu acho.
Artistas como Beyoncé… nem sempre, às vezes eu acho as composições meio banais. Mas ela fica cada vez melhor porque é uma mulher preta consciente, tem muito poder, canta como ninguém, rebola, faz tudo que todo mundo quer ver e é política.
Outro dia me vi assistindo ao documentário da Anitta. Essas coisas chegam até mim e eu acho que também são importantes para entender o mundo e ver por onde eu vou querer andar. Essa coisa de cantar Beyoncé é para sinalizar: isso aqui eu gostei. Meio que para falar: sou curiosa e estou ligada.
g1 - Recentemente, publicamos no g1 uma reportagem sobre o "pop sáfico". Artistas como Billie Eilish e Chappell Roan estão falando, de forma muito aberta, sobre amores e desejos entre mulheres. No Brasil, a Ludmilla está construindo uma família com outra mulher, aos olhos do público. Isso reverbera nesse momento da sua carreira?
Marina Lima - Reverbera porque isso chegou no pop, mas não começou lá, é uma coisa da sociedade. As minorias -- que não são minorias -- começaram a reivindicar seus direitos: os LGBT+, os trans, os assexuados, os pretos… Todo mundo que era meio invisível, porque não estava no poder, resolveu não aguentar mais essa opressão e começou a fazer um movimento de baixo para cima. Essas pessoas -- como eu mesma, na minha carreira -- passaram a ver que têm que levar isso adiante, já que elas têm voz.
"Para que serve ser famoso hoje em dia, ter voz e não usar? Você está fazendo o quê? Alguém que tem voz, espaço e gente interessada só pode estar se posicionando. Eu não vejo sentido num artista não estar tentando melhorar a civilização."
Eu não vou dizer que é uma obrigação… quer dizer, para mim é, para os grandes é. Mas cada um faz o que achar melhor.
Marina Lima na capa do disco 'Abrigo', de 1995
Divulgação
g1 - Eu sei que, depois do disco “Abrigo”, de 1995, um incômodo relacionado à carreira te levou à depressão e a um período longe dos palcos. Que reflexões você teve nesse momento, que te fizeram recalcular a rota?
Marina Lima - Teve um momento em que eu virei a grande cantora popular -- pop -- brasileira com uma linguagem que estava precisando ser ouvida, de uma juventude da qual eu fazia parte: o tipo de ritmo, de arranjo, de mensagem, que o [irmão e parceiro de composição, Antonio] Cicero também queria fazer junto comigo, e as pessoas que eu escolhia para gravar.
Eu seguia fiel a tudo que eu achava que era o meu dever, mas teve uma hora em que ficou tudo fora do meu controle, porque eu não esperava todo esse sucesso, que eu tive de repente. É o que a Fernanda Montenegro fala: o sucesso e o seu cortejo de horrores. Isso me trouxe pedidos que eu não esperava, exigências às quais eu não tinha me proposto, me trouxe o diabo. E, no começo, eu fui tentando cumprir.
"Teve um momento em que eu não me entendia mais, e eu tive que frear. Como eu era cantora, inconscientemente, eu freei pela voz. Eu não queria continuar daquele jeito."
Um grande analista da época me disse: “Em vez de você se armar contra tudo que estava te machucando, você pegou uma faca e colocou em si mesma”. Eu mesma me impedi de continuar. Precisei de anos para conseguir entender, porque sou muito profunda. Por isso eu gosto da vida. Demorou, mas valeu: eu entendi um monte de coisas.
g1 - Hoje, alguns artistas jovens estão dando pausas, desacelerando, se afastando dos palcos para cuidar da saúde mental -- o Jão é um exemplo, a Anitta também fala sobre isso no documentário que você citou. Já tendo passado por isso, que conselho você daria a eles?
Marina Lima - Esse é um tipo de conselho muito difícil de dar, porque você citou pessoas que eu não conheço, não conheço a personalidade delas. Se eu der um conselho, é como se eu entendesse a vida de cada uma delas. Eu não sei…
Quando eu vejo a Anitta, fico achando que a crise dela é menos com o sucesso e mais com uma coisa da mulher e da idade. Ela entrou numa facção sexual e, com isso, libertou muitas mulheres. Mas esse lugar também as aprisiona porque fica parecendo que elas têm uma validade. Então é uma questão de como ela vai sair disso. Não é a música que ela quer mudar, eu acho que é uma coisa mais ligada à vida, ao que se espera de uma mulher de trinta e poucos anos. Eu entendi assim.
O Jão eu não conheço. Sei que ele admira muito Cazuza. Acho ele charmoso, interessante, e acho que ele tem que fazer o que achar que precisa para não acabar, para não se sentir acabado. Desejo força e sucesso para ele, e para quem mais estiver nessa busca.
g1 - O figurinista Cao Albuquerque diz no documentário “Uma garota chamada Marina” que você, com a sua música, ensinou as mulheres a saírem sozinhas para tomar um drink, numa época em que isso não era tão normal. Para quem não viveu essa época, queria que você explicasse o que era, em 1979, quando você lançou o primeiro disco, ter uma mulher compositora, instrumentista e intérprete falando sobre desejos na música popular?
Marina Lima - Por um lado, era muito bom, não à toa tem gente que se interessa por mim até hoje. Eu sempre quis me expressar e dizer o que eu achava. E, como não havia muitas, era muito bom aquilo. E eu sentia que tinha muito respaldo emocional também. Tive a sorte de ter uma família estruturada, que achava aquilo bom, não esperava que eu ficasse fazendo um charme. Era assim: minha filha, você vai falar sobre o quê? Então eu tinha que estar à altura das pessoas que vieram antes de mim, da minha própria família, que eram muito colocadas.
Por outro lado, era chato. Aquele negócio que todo mundo fala, né? Homem eficiente é capaz. Mulher eficiente é difícil. Era mais ainda naquela época. Mas não estou aqui para reclamar, não. Hoje talvez eu saia menos à noite sozinha porque é mais perigoso. Mas ainda vou ao cinema sozinha, almoço sozinha. Gosto de sair só, às vezes -- mais à tarde hoje em dia, à noite eu não quero correr riscos [risos].
"Eu preciso medir bem porque estou achando que eu preciso durar mais tempo, entende? Quero ficar atenta aos sinais."
Marina Lima em ensaio fotográfico para a capa do álbum 'Simples como fogo', de 1979
Antonio Guerreiro
g1 - Esses dias li um livro chamado “De Quatro”, da Miranda July, que tem uma parte com mulheres falando o que melhorou na vida delas depois da menopausa. Lembrei disso quando li uma entrevista sua dizendo que você só passou a dominar a sua vida depois dos 60 anos. O que mudou?
Marina Lima - Todo mundo fala muito muito de menopausa, mas eu nunca denominei minhas mudanças assim. Engraçado, né? A menopausa veio, normal. É uma coisa que você espera, é da natureza. Tem muitas coisas que fazem parte do amadurecimento e a menopausa é uma delas.
Eu gosto muito ainda de aprender. Várias coisas: sobre as sociedades, sobre a política, sobre o que mulheres que me interessam têm a dizer, principalmente as mais velhas. Vejo muitas entrevistas da Jane Fonda, da Fernanda Montenegro, sobre a arte de envelhecer. Adoro aprender com as minhas manas mais velhas, que eu admiro, como elas lidam com isso. E adoro também descobrir uma forma minha e passar adiante o que eu puder. Isso é mais do que a música, é uma maneira de encarar a vida.
"Gosto de achar que estou melhorando o meu traço. Se alguém for me desenhar, o meu traço não pode ser o de 15, 20 ou 30 anos, porque o meu rosto foi mudando."
Eu acho a Fernanda Montenegro uma mulher linda. Você tem que estar bem na sua idade, no tempo em que você vive, e não ficar correndo atrás de um fantasma antigo, que você não é mais, não só fisicamente. A vida é uma escola: tem acertos e também alguns equívocos, com os quais você vai aprendendo e aprimorando. E a velhice, com saúde e cuidados, pode trazer isso. Eu estou gostando.
Marina Lima canta em palco da Virada Cultural de São Paulo, em 2019
Fábio Tito/G1
g1 - Você vem se apresentando bastante no circuito de festivais, e é uma artista que consegue dar um tom intimista até para esses shows maiores. Qual a parte mais legal de cantar num festival?
Marina Lima - Você sabe por que eu acho que parece intimista? Porque é profundo. As pessoas todas têm questões, além de dançar e de se divertir, mesmo em um festival. Elas querem toques: querem receber toques e beleza. O festival é legal porque são vários shows e um público enorme, cheio de gente interessante, interessada em ouvir, em captar alguma coisa. Isso me proporciona cumprir o que eu acho que seja a minha função aqui nessa Terra: trazer beleza, arte, questionamentos e música.
g1 - Nesse Lollapalooza, qual show você quer assistir?
Marina Lima - Alanis Morissette. Eu amo, sempre adorei, tenho vários discos dela e já vi [o show] uma vez. Ela é uma artista que eu admiro por ser uma mulher que foi muito importante e não se perdeu, meio um Bob Dylan mulher. Claro que eu não quero comparar, mas é um tipo de artista assim: diferente, especial.